quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

UMA CAUSA TÃO FÁCIL

Reunidos na sala de audiência, tomando cada um o seu lugar, autor e réu vão, aos poucos, se exasperando, fazendo comentários em voz audível, antes da sessão de julgamento começar, no intuito de intimidar o adversário:
"Porque aquele acidente de trânsito foi mesmo um erro dessa mulher!" Gesticulando, disse, cheio de si, o homem, com toda a razão do mundo.
"Por favor, queira deixar que a sessão comece e, então, eu trato do assunto." Pediu, discretamente, o advogado do jovem senhor, réu no processo.
"Mas me garanta que o Juiz saberá como realmente se deram os fatos. Ele perceberá que a culpa foi toda dessa barbeira!"
"Sim... Sim. Por favor, se acalme."
Dou outro lado da mesa:
"Mas era só que me faltava! Esse homem arrumando o maior barraco no tribunal... Ele sim é o culpado pela batida. E ainda se recusa a pagar pelo estrago do meu carro!"
"Não se preocupe, Senhora. Todas as evidências indicam que ele é o culpado. Nossa causa já está ganha." O advogado da autora do processo tentava confortar a cliente.
O clima da audiência já estava acalorado, mesmo antes de terem sido abertos os trabalhos da Vara. De um lado, o murmúrio da conversa entre o advogado da parte ré e o seu cliente enchia a pequena sala de um zumbido desconfortante.  De outro, a autora da ação e seu advogado fitavam seus olhares de maneira quase fulminante no réu e no advogado, do canto oposto da sala.
Situação perfeita para ver o circo pegar fogo, quer dizer, o Juizado Especial pegar fogo...
Entra o Meritíssimo Magistrado e se assenta em seu lugar. Faz-se um silêncio sepulcral por poucos segundos até que, antes que o juiz pudesse falar alguma coisa, adianta-se o réu a fazer esclarecimentos:
"Excelentíssimo, antes de qualquer coisa, eu gostaria de dar a minha versão dos fatos."
"O senhor deve aguardar o momento em que o interrogarei, por favor." Disse o juiz um pouco irritado com a petulância do réu, folheando o processo em cima da mesa, sem levantar os olhos.
Mesmo assim, sem se intimidar com a advertência do magistrado, levantando-se da cadeira, o jovem senhor começou a expor a história do acidente de carro, tendo achado que o juiz o tratara com desprezo. Queria ser ouvido antes, mesmo que fosse aos gritos.
Querendo ver como aquela situação iria acabar, o juiz resolve deixar o jovem senhor continuar a falar.
"Eu estava dirigindo na via principal, quando esta senhora que estava fazendo a tesourinha, entra na frente do meu carro muito lenta e gera toda a batida! Eu tentei desviar dela, mas, como estava a 120 quilômetros por hora, ainda peguei na traseira do carro pelo lado esquerdo..."
"O senhor estava a 120 quilômetros por hora? Como acha que a culpa não é sua, então?" Indaga já impaciente o juiz.
O silêncio impera na sala até que o magistrado o interrompe:
"A velocidade máxima da via era de 80 quilômetros por hora... Sinto muito. O senhor é culpado pelo acidente."
Depois de tomadas as providências processuais cabíveis, saem da sala de audiência o advogado da autora e sua cliente satisfeitos com o resultado do julgamento. Comemora o causídico:
"Não disse que iríamos ganhar? Nunca atuei em uma causa tão fácil! O réu se entregou sem ninguém nem mesmo falar!"