sábado, 17 de março de 2012

CHEGOGOLÂNDIA




Havia uma menina, por nome Ana Maria.
Na cozinha da avó, sozinha se entretia.
Pequena, criancinha, delícias descobria,
Não só de comidas gostosas, mas de muitas fantasias.

Entre doces escondidos e guloseimas preparadas,
A garota se envolvia numa brincadeira engraçada.
Eis que a porta da cozinha era porta de correr,
Não abria para frente, mas à parede, a esconder.

Sentada num banquinho, ao lado dessa porta,
A menina imaginava que de Kombi viajava pelos lugares por onde passara.
Cobradora de lotação, de todos chamava a atenção.
Gritava e anunciava o destino a que seguia: Chegogolândia! Chegogolândia!

Mais um tanto avançava na viagem que inventava,
E parava novamente ao passageiro que acenava.
Ia assim, imaginando, que na sua lotação
Era ela a cobradora, com o dinheiro na mão.

E enquanto parava nos pontos, mais pessoas poderiam entrar
Nesse transporte maluco que adorava imaginar.
Abrindo e fechando a porta, não se cansava nunca.
Deslizava-a para trás e gritava às pessoas na rua: Chegogolândia, um real!

E enchendo o automóvel, até completamente lotar,
Contava o dinheiro para só depois o guardar.
Antes, porém, de encerrar, dava o troco e agradecia
A preferência do cliente que satisfeito descia.

Depois de uma tarde inteira, da alegre brincadeira,
Chegou a avó da menina, com um sorriso de orelha a orelha.
É que a menina, brincando e sonhando, os nomes acabou por trocar.
O nome da cidade não era Chegogolândia, e, sim, Cadangolândia.

sexta-feira, 9 de março de 2012

QUISERA - ANA MARIA MACHADO


Mesmo que a voz materna diga que
À adolescência minha’lma retornara,
Que pelo alívio de me ter caído o fardo
De um amor que não dera nada,
Tornei à meninice, como se antes menina não houvera sido
Mesmo tendo dela ouvido que
Da idade na flor eu me encontro,
Quisera eu postergar do meu dia bendito uns anos
Para que perto de tua data eu nascesse
E teu afeto eu pudesse ter, então,
Pois parece haver um abismo
Entre os tenros anos teus e os meus não.

Hei de haver equivocado – meu coração está convicto,
Por ter se enamorado por ti, tão novo amigo
Mas não consegue evitar os devaneios mais doces
Que outrora não se permitia sonhar, antes, dores
Terá de fato meu coração se enganado
Ou seriam os anos os verdadeiros culpados?
Disto não sei, daquilo, também não
Apenas sei, meu amigo, que o sentimento não é vão.
Quisera eu que de mim tu gostasses
Isso – meu Deus – levar-me-ia aos ares
Onde olvidaria a diferença que o tempo nos dá
Onde aproveitaríamos as alegrias de amar.

Quisera eu que tu me olhasses
Como contemplam meus olhos os teus
Ignorando nossas idades, descobrindo a felicidade,
Desfazendo a distância que existe
Entre o teu desejado nascimento e o meu.

(Foto por Timo Cunha)

sábado, 3 de março de 2012

COLISÃO ENTRE DOIS SONHOS




Havia uma mulher. Seu nome não era Maria. Havia também um homem. Seu nome não era José. Eles eram fisicamente desconhecidos, mas, em sonhos, se conheciam. Viam-se sempre em sonhos costumeiros.
Inicialmente, entreolhavam-se, sérios, com certa timidez, sem coragem para uma aproximação. Permaneciam sonhos e sonhos apenas contemplando, de longe, um ao outro, sem que uma palavra fosse dita ou um sinal sequer emitido. O tempo passava devagar nessas horas e o silêncio torturava seus corações, provocando um turbilhão de vontades e dúvidas. Ela desejava conhecê-lo. Queria sua companhia. Ele queria abraça-la. Desejava sua amizade. Mas como ter certeza de que o outro, lá, do outro lado, tão distante, poderia almejar o mesmo? Como saber se isso tudo entre eles iria realmente dar certo?
Seus olhares cruzavam-se tantas vezes, como se por meio deles pudessem entender um ao outro. Em milésimos de segundos dos olhares infinitos, diziam um ao outro o sentimento que havia, faziam planos e contavam histórias. Na verdade, seu olhar era a sua comunicação. Todavia, em meio a tantos pensamentos incertos, qualquer possibilidade de comunicação esvaía abruptamente, restando apenas as dúvidas que cortavam o coração.
Até que, num sonho conturbado, entre um pesadelo e um sonho, esbarraram-se violentamente, a ponto de caírem ambos no chão, um ao lado do outro, meio tontos, por causa da colisão inesperada. Mesmo doloridos devido a tamanho tombo, somente sorriram, porque só  sabiam sorrir. Sorriram, porque finalmente, de fato, encontraram um ao outro.
As dúvidas evaporaram ligeiramente frente à certeza de que seu encontro era realidade, e as incertezas foram esquecidas diante da firmeza de sentimento que um sorriso transmitia ao outro. Suas expectativas e sorrisos eram correspondidos; não havia o que temer. Então, formalizaram o que seus olhos já haviam conversado há muitos olhares antes: fizeram companhia um ao outro e tornaram-se amigos. Beijaram-se e abraçaram-se.
A partir deste choque intenso, não puderam mais sonhar sem a companhia um do outro. Mal perceberam e já eram mais que simples amigos. Passaram a encontrar-se mais vezes, e por mais tempo, desfrutando cada parte do sonho, que antes corria devagar e torturante, e, agora, de tão agradável e prazeroso, voava rápido, parecendo muito pouco.
Nestes encontros, conversavam, brincavam, tomavam sorvete e caminhavam por parques, tiravam fotos e riam de si mesmos. Eles sabiam do sonho um do outro, conheciam os seus segredos mais profundos. Viviam enamorados, mesmo quando não sonhavam, porque tudo lhes era muito real.
A cada sonho, apaixonavam-se mais, porque o amor é inevitável quando tudo parece tão perfeito, tão exatamente preparado para ser. Eram felizes, simplesmente.