segunda-feira, 14 de maio de 2012

Descanso para os olhos - Por Ana Maria Machado



Meus olhos espreguiçam-se lentos
Fechando-se bem devagar
Vagaram cansados longo tempo
Podem, agora, descansar
Desfrutam, então, de paz serena
Que palavra alguma expressa
Pois lutaram para encontrar-te
Buscaram-te sem trégua, com pressa.
Repousam, exaustos de muito correr
Pela face do mundo para ver
Em quem poderiam pousar, enfim
Quem, de fato, gostasse de mim

Ao verem-te, meus olhos se abriram
Em alegres expressões
Já não há lágrimas, antes, risos
Onde outrora desilusões
Meu coração pôs-se a sossegar
Eu encontrei o meu par!
Deleito-me em verdadeiro prazer
Desde que pude te conhecer
Amor, hei de te haver recebido
Não por ter eu merecido
Mas por existir um Deus grande
Em quem minha fé é constante.

(Dedicado a Isaac Marra)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A solidão é deserto.


Ali, naquela madrugada enluarada, Badra revolvia-se inquieta sob o fino lençol de fios egípcios, na pequena esperança de que o sono logo chegasse. No deserto, as noites costumam ser muito frias, mas esta noite, em particular, e somente para Badra, era cálida. A lua cheia brilhava tão intensa no céu, que a luminosidade no quarto dispensava candeeiros. Tanta luz na escuridão do cômodo ofuscava cada vez mais seu sono, despertando a mente. O perfume do incenso, ao contrário de acalmá-la, dissipava-se de uma maneira insistente, incomodando o pensamento, tornando o calor ainda mais perturbador. Já não conseguia permanecer deitada. Resolvera levantar.
Badra sempre dormira muito bem. Não costumava ter problemas para pegar no sono, mas esta noite degringolava desde o início. Durante todo o jantar, discutira consigo mesma, passando dos limites. Não conseguira sequer terminar de comer um pedaço pequeno da baklava que fizera com tanto esmero. Tudo perdera a graça. Já não havia o açúcar do doce, nem o perfume do incenso. Não havia sentido na noite.
Apanhou o primeiro véu que vira à frente e cobriu a cabeça, como se com ele pudesse proteger-se do rasante de uma ave qualquer. Saiu, correndo, descalça mesmo, ainda mais vulnerável às incertas víboras da noite. Não media as conseqüências. Pensava apenas que não conseguia ficar mais nenhum instante dentro de casa. Precisava de ar.
Passando pelo estreito hall de entrada da casa de alvenaria, abriu a porta e deslizou habilmente pelo caminho no meio do cascalho até a pequena elevação de terra que havia em frente à edícula. Avistando dali os pontinhos das luzes tímidas de uma cidade ao longe, observava o abismo escuro entre ela e o mais próximo ser humano, separados pelo extenso deserto.
Era só. Somente Badra e a Lua. Ela decidira mudar-se para longe desde que há muito se decepcionara com alguém. Ninguém sabia o que acontecera a ela. Sabia-se somente que ela o amara muito, o homem cujo nome não se sabe. Certamente, diziam as mulheres da cidade, seu amor houvera sido do tamanho de sua frustração.
Contemplando a cidade ao longe, em pé, sentindo a míngua relva sob os pés, apreciava a brisa acariciando-lhe a face, como um carinho que não recebia há tempos. Resolveu permitir-se o delírio do instante, pois não havia ninguém por quem pudesse se intimidar. Relaxava e enrijecia, como alguém que não sabe o que sentir. Sentia calor, sentia frio, sentia-se sozinha.
De repente, voltou-se à Lua. Cheia e muito luminosa, a Lua sorria, e Badra não entendia o seu sorriso. Contemplava-o e invejava-o à medida que a Lua derramava sobre os seus olhos tristes lágrimas que já não podia conter. Como poderia a Lua sorrir? Badra não podia sorrir; apenas sabia chorar.
Pôs-se a chorar e a pensar, meditar sobre seu estado de espírito. Lembrou-se do significado de seu nome e transportou-se por breves momentos às memórias mais antigas que possuía de sua mãe. Badra significa Lua Cheia. Pelas lembranças que lhe vinham à tona, emocionava-se ao pensar que um dia já sentira orgulho de seu nome; quando pequena, achava-o lindo, porque sua mãe contava histórias belas sobre a lua. Porém, naquele momento, a Lua de Badra era só a solidão.
A melancolia tomara-lhe por inteira. Chorava e soluçava, como uma criança. Abraçava a si mesma, na tentativa de um consolo vão. No seu íntimo, nos curtos lapsos de tempo em que sua mente lhe permitia pensar em algo, que não chorar, considerava a beleza do satélite, e concernia que ele estava só. Mas, mesmo assim, a Lua sorria, e não parava de sorrir. Estaria ela vendo lá de cima algo que Badra não podia ver na escuridão do deserto?
Então, Badra resolveu acalmar-se. Respirou fundo e aos poucos foi serenando os soluços. Enxugou as lágrimas e sentou-se no chão. Com os dedos, começou a brincar com os pingentes do adereço preso ao tornozelo, refletindo, agora sossegada, em toda a sua vida. Por tantos anos privara-se de uma vida feliz, porque tivera uma decepção num relacionamento que lhe sugara as forças para prosseguir. Aquele homem a quem amara lhe retirara as esperanças do amor e, por isso, até aquele momento, achava que estava fadada à solidão.
Segura do rumo que tomava seu pensamento, olhou para a Lua novamente, não com olhos tristes, nem banhados em lágrimas, mas com o brilho da tranquilidade. Sorriu para a Lua, devolvendo o sorriso antes ignorado, e desculpou-se por tê-la incriminado de sua solidão. A Lua, na verdade, não está sozinha. “Ela está com todos, porque todos podem vê-la, e tê-la, e sorrir de volta para ela”, pensou.
Depois de algum tempo, já arrepiada com o frio, quando o sol despontava no horizonte os primeiros raios da alvorada, encerrava consigo mesma o dilema daquela madrugada da sua vida solitária. Chegara à conclusão: não era a Lua a solidão; o deserto era a solidão. Levantou, deu meia volta e entrou em casa, decidida a voltar à vida. Decidira ser feliz. Ia dar nova chance a si mesma. O deserto não a impediria.