sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

CADA COISA NO SEU LUGAR: por que comemoramos o Natal?

Meus votos de Feliz Natal

 *Créditos: Timo Cunha e Cutia Fujona



Nessa época do ano, as pessoas do mundo inteiro se confraternizam; presenteiam amigos e familiares; se atentam mais a ajudar ao próximo que é carente; desfrutam de feriados, momentos de lazer e descanso; preparam e degustam comidas saborosíssimas; cantam e ouvem canções que falam de amor e paz; as ruas, shoppings, prédios estão decorados com os mais belos enfeites e luzes; o comércio fica aquecido, operando vendas que rendem muitos lucros… Enfim, todos, nessa época, se ocupam em celebrar a vida da maneira como sabem.

Mas o Natal é muito mais que isso. Mesmo que você não seja cristão, você não pode negligenciar o fato de que a História da Humanidade foi marcada há 2.012 anos pelo nascimento de Jesus, que dividiu a vida em antes e depois de Cristo. O Natal é, portanto, a celebração da vida, sim, mas a celebração especial da vida de uma pessoa específica: Jesus.

Por que o nascimento de um bebê foi capaz de mudar a História? Todos os anos milhões de bebês nascem corriqueiramente... Por que, então, celebrar o nascimento de Jesus?

A resposta para essa questão é evidenciada pela própria História: Jesus não foi um bebê qualquer. Sua vinda foi esperada ansiosamente por muitos; havia profecias e promessas a seu respeito. Todas as expectativas acerca do Cristo se cumpriram Nele; não somente as que se referiam ao seu nascimento, mas também ao seu ministério e a sua morte.

Tanto tempo depois da vinda de Jesus ainda somos contagiados pela alegria da festa que é o seu nascimento. A data tornou-se célebre em todo o mundo, marcando o próprio calendário que é utilizado hoje no Ocidente e em grande parte do Oriente. Dessa forma, não se pode negar que mesmo depois de 2.012 anos Ele é real e se faz presente na História do mundo. E, posso dizer, por experiência própria, que hoje Ele deseja se fazer presente na nossa vida de uma forma especial e pessoal!

Seja qual for a crença, o Natal é uma festa cristã, embora, não raras vezes, nos esqueçamos do seu verdadeiro sentido e insistamos em retirar do seu protagonista o lugar e as honras merecidos. Jesus é o motivo de se celebrar a vida! Seu nascimento, sua vinda ao mundo em forma humana são a razão da festa natalina. Todavia, o Natal de Cristo, para fazer sentido, deve ser experimentado de maneira pessoal, por meio de um convite, feito singelamente por quem quiser aceitar o próprio Jesus no coração.

Neste Natal, então, desejo que você permita que a presença desse menino que nasceu em Belém mude a sua vida, marque a sua história e te faça renascer para uma nova vida. Se você quiser, Jesus ainda hoje também pode fazer a diferença no seu natal! Desejo que seus olhos estejam abertos para essa verdade antiga, mas real. Desejo que haja celebração da vida em sua família, mas, mais que isso, que haja a celebração do nascimento de Jesus em seu coração.

Jesus disse “Eu sou o caminho, e a verdade e a Vida”, e ainda “[...] eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”. Vida é o que Ele oferece. Isso é o que desejo a você.

FELIZ NATAL!

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.”
João 3:16.

* http://www.cutiafujona.com.br/
* http://www.flickr.com/photos/timocunha

sábado, 1 de setembro de 2012

GO DOWN, ANA.



Após uma semana de trabalho exaustivo e de muitos problemas interpessoais no Ministério, me pego, após o expediente de sexta-feira, às 18h40, trancando minha sala e saindo pelos corredores, cantando “Go down, Moses”, tradicionalmente interpretada por Armstrong. A canção conta a história sobre a libertação do Povo de Israel da escravidão no Egito, nos tempos do velho testamento da Bíblia.
Inconscientemente, a canção me veio à mente e eu não pude conter a sua melodia belíssima, ia andando e cantando “[...] let my people go”. O espírito dessa música expressa exatamente como me eu me sentia naquele momento após a dura semana que tivera. Era como se, finalmente, guardadas as devidas proporções, estivesse me libertando do que tomara o meu tempo e me escravizara as forças.
É assim que se sente quando se dedica ao trabalho, doando-se da melhor maneira, e recebendo, em troca, críticas sem fundamento e perseguição. A sensação é de que, apesar da remuneração, o trabalho é escravo. Não há reconhecimento, nem valorização, não há uma equipe de trabalho, tão somente um grupo desarticulado e desmotivado. É lamentável que a estrutura do Poder Executivo federal se encontre a esse pé...
Imagino que o povo no Egito encontrava-se assim: desmotivado, desarticulado, sem quem pudesse enfrentar o Faraó, as pessoas se submetiam ao trabalho forçado, sem esperanças de uma vida livre, para, enfim, viverem seus sonhos, suas vidas de forma digna, em família. Em síntese, uma desgraça.
Eu não sou formada em Piscologia, nem possuo capacitação na área de recursos humanos, mas, como se diz, a vida é uma escola; não é preciso ter formação acadêmica – sem desmerecer aqueles que estudam para gerir pessoas – para aprender que “O diálogo é a base para o fortalecimento de qualquer relacionamento”. Essa afirmação foi dita pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, e expressa com perfeição a solução que eu considero viável para a situação que eu vivi nesta semana fatídica: diálogo. Esta também foi, a princípio, a solução efetivada por Moisés para levar o povo do Egito – infelizmente, o Faraó era ruim de negociação e a manifestação divina se encarregou de pôr um ponto final na escravidão, de maneira dolorosa para os egípcios.
Concluindo, é uma pena que a pessoa com quem eu tivera problemas no trabalho não tenha aprendido, em 30 anos de serviço público, o poder da comunicação... Imposições e autoritarismos não resolvem relacionamentos! Bem, ela poderá contar com minha força de trabalho, enquanto eu estiver ali, afinal o meu serviço é para o Estado, não para uma pessoa específica (oras, apliquemos o princípio constitucional da impessoalidade!), mas minha amizade ela não terá. Eis o nosso setor mais desmotivado ainda... todo mundo sai perdendo.
Trago, então, à mente aquilo que pode me dar esperanças: “let my people go...”

quarta-feira, 18 de julho de 2012

A FÁBULA DOS PORCOS ASSADOS

Qualquer semelhança com sistemas tributários só pode ser mera coincidência!

     CERTA VEZ, ocorreu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, que até então os comiam crus, experimentaram a carne assada e acharam-na deliciosa. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque. O tempo passou, e o sistema de assar porcos continuou basicamente o mesmo.
Mas as coisas nem sempre funcionavam bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. As causas do fracasso do sistema, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou, ainda, às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.
As causas eram, como se vê, difíceis de determinar - na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: havia maquinário diversificado, indivíduos dedicados a acender o fogo e especialistas em ventos - os anemotécnicos. Havia um diretor-geral de Assamento e Alimentação Assada, um diretor de Técnicas Ígneas, um administrador-geral de Reflorestamento, uma Comissão de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias e o Bureau Orientador de Reforma Igneooperativas.
Eram milhares de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, fogo mais potente etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno.
Um dia, um incendiador chamado João Bom-Senso resolveu dizer que o problema era fácil de ser resolvido - bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor - e não as chamas - assasse a carne.
Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o diretor-geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete e disse-lhe: "Tudo o que o senhor propõe está correto, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? E com os acendedores de diversas especialidades? E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras de ar?
E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Hein?."
"Não sei", disse João, encabulado.
"O senhor percebe agora que a sua idéia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê que, se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo?."
"O senhor, com certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas? O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? E o que fazer com nossos engenheiros em porcopirotecnia? Vamos, diga-me!".
"Não sei, senhor."
"Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia - isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo."
João Bom-Senso, coitado, não falou mais um "a". Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu. Por isso é que até hoje se diz, quando há reuniões de Reforma e Melhoramentos, que falta o Bom-Senso.
Será que o cidadão brasileiro fará como o João Bom-Senso, mesmo com a arrecadação federal tendo batido novo recorde em 2006 e a burocracia galopante continuar a ser estímulo para a sonegação e a corrupção fiscais?
(*) MARCOS CINTRA, 60 ANOS, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE DE HARVARD, VICE-PRESIDENTE E PROFESSOR-TITULAR DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, EX-DEPUTADO FEDERAL (1999 / 2003) E SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, É AUTOR DE "A VERDADE SOBRE O IMPOSTO ÚNICO" (LCTE, 2003).

NOTA DO EDITOR:

"A Fábula dos porcos assados" parece ter sido uma adaptação de texto traduzido por L. Gualazzi, de artigo publicado em JUICIO A LA ESCUELA, Cirigliano, Forcade Tilich, Editorial Humanista, Buenos Aires, 1976 e utilizado em encontros de capacitação dos dirigentes de escolas publicas por ocasião da implantação dos Guias Curriculares no Estado de São Paulo.



sexta-feira, 13 de julho de 2012

Quando eu era menino

“Todo mundo tem saudade de uma mina – ainda que nunca tenha visto uma. É que na alma… Ah! Vocês não sabem o que é alma! Eu explico. Alma é um lugar, dentro do corpo, onde ficam guardadas as coisas que a gente amou e se foram. Elas se foram, mas não morreram. O amor não deixa que elas morram. Ele as guarda nesse lugar chamado alma. Ficam lá, esquecidas, dormindo… Mas, de repente, a gente se lembra! E quando a gente se lembra, vem a saudade… Saudade é o que a gente sente ao lembrar de uma coisa gostosa que foi embora… Onde estão as minas? Vocês nunca viram uma. Mas eu garanto: em algum lugar da sua alma, e na alma de todo mundo, há uma mina de água cristalina. E a gente gostaria de beber da sua água, com as mãos em concha…”









RUBEM ALVES – Quando eu era menino.

domingo, 24 de junho de 2012

DENTRO DE UM ABRAÇO



DENTRO DE UM ABRAÇO
Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento?
Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, em diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema assistindo à estreia de um filme muito esperado e, principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar – a intimidade da gente é irreproduzível.
Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congetsionado, numa cadeira de dentista.
E então? Somando os prós e contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço.
Que lugar melhor para um acriança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
Que lugar melhor para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.
O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante o envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde à beira-mar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?
Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora do alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.

MARTHA MEDEIROS - Feliz por nada

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Um fim de tarde cinza para uma alma cinzenta - Parte II

Há pouco tempo ele percebera a necessidade de controlar a pressão. Desde então, as preocupações lhe tomaram a mente. Sem contar com o estado de espírito, que já lhe era acinzentado há um pouco antes. Por isso, por causa do céu, por ser terça-feira, pelo estado de sua alma, ele estava daquele jeito: ofegante. Faltava-lhe ar (não o cinza – este havia de sobra sobre sua cabeça, mas outro, de outra cor).
Então, começou a pensar na quarta-feira. O pensamento não lhe era ruim; acalmava a respiração. A quarta-feira costumava ser um dia mais leve, por isso, o céu desse dia geralmente apresentava tons de azul claro e umas salpicadas discretas de cor de rosa – nada além disso. Às quartas, ele corria.
Correr, em si, não muda muita coisa. Afinal, no trabalho, corria; dos relacionamentos e comprometimentos, corria; de Deus, corria; de tantas coisas ele corria! Medo, talvez. Má influência dos pais, pode ser. Enfim, às quartas, ele separava um tempo, para, antes de ir ao trabalho, de manhã, no Parque da Cidade, correr, sozinho.
Correr alterava o tom do céu de quarta-feira, pois lhe era proposta a chance de mudar a rotina da semana. Corria de si mesmo. Corria de enfrentar desde cedo, naquele dia, a necessidade de enfrentar o trabalho, a dor, a solidão. Correr ao menos, postergava um pouco esse enfrentamento; ao final do dia, entretanto, era inevitável: o céu – e a alma – haveria de estar como estava naquele momento, naquele ônibus, após o trabalho.
Assim como na quarta-feira, nos finais de semana havia a chance de mudar a rotina. Mas, já no domingo à tarde, um sentimento súbito, sorrateiramente, entristecia-lhe o coração. Era o controle infeliz, novamente. E de controle esse controle só tem o mesmo nome, pois ele lhe deixava apenas descontrolado. Que droga! Mal conseguira recuperar a respiração e já ofegava de novo, devido ao maldito controle.
Bons os tempos em que era criança.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Um fim de tarde cinza para uma alma cinzenta.


Era início de noite, por volta das dezoito horas. O céu, cinzento, com leves manchas brancas das nuvens distribuídas no ar, parecia pesado depois de um dia inteiro de trabalho. Aos poucos, uma estrela e outra despontavam no infinito, trazendo algum brilho para a noite que estava chegando. Mesmo assim o céu era pesado.
O ar da capital é sempre desse jeito durante a semana. Parece até mesmo que respirar é mais difícil, porque todos os gases acima da cabeça exercem uma pressão enorme nos pulmões e na mente. Nos finais de semana, o ar não é tão pesado, mas, se não tomar cuidado, pode ser pior do que nos dias de trabalho. É que se não se aprende a lidar com a pressão, a diferença entre uma quinta-feira e um sábado pode trazer sérios problemas aos pulmões e à mente.
Naquele fim de tarde, ao passar pela Esplanada dos Ministérios, depois de um dia inteiro de trabalho, tudo parecia tão comum, que não fazia sentido tantos turistas tirando fotos pelas redondezas. Não havia razões para fotos, nem para passeios, nem para turistas. Era apenas mais um dia na capital. Um dia de trabalho. Um dia de semana: terça-feira.
Da janela do ônibus, era possível contemplar o céu, pesado, do lado de fora. Acima dos prédios, dos ministérios, do Congresso; ele apresentava-se na sua forma mais cinzenta do dia. A sua forma mais pesada sentida.
Não que o fato de ser cinza implique em que seja pesado. Há pessoas para as quais essa massa de ar cinzenta sequer é notada. Mas, nesse dia, para esse sujeito, o céu e o ar eram cinzentos e pesados. Na verdade, o céu e o ar são a mesma coisa: não é possível tocar o céu, tampouco o ar, então, por aproximação, os dois são a mesma coisa.
Passando pelos prédios dos Ministérios, observando o trânsito caótico desse horário, estava ele ali, sentado no último assento do lado direito daquele ônibus, tentando respirar. O trabalho lhe sufocara. Por isso, o céu estava tão pesado. A pressão que exercia causava-lhe certa vertigem, fazendo-o delirar por uns milésimos de instantes. Caramba! Que dia!
As terças-feiras não costumam mesmo ser muito leves, mas, é bem verdade que o estado de espírito influencia bastante. Não é fácil receber ao mesmo tempo o peso do céu e lidar com uma alma cinzenta. (Nada contra a cor cinza. Mas ela expressa bem o peso do que é a monotonia, o cansaço, a dor amortecida.)
Ele ainda não aprendera a lidar com a pressão, de fato. Mesmo tendo nascido em Brasília – o que poderia, a princípio, lhe conferir certa habilidade nisso, a realidade do céu não é uma percepção nata, nem conferida àqueles que nascem em determinada região; ao contrário, é uma lição que só se aprende depois de um tempo, quando já não se é mais criança, quando se desperta para a necessidade de controlar a pressão do céu nos pulmões e na mente. Há pessoas que despertam antes, outras, depois, como é o caso dele.
O fato é que até se perceber a necessidade de controlar a pressão, isso ocorre de maneira natural. Por isso as crianças não sentem o céu cinzento, nem trabalham, nem têm vertigens, nem a alma cinza. Elas ainda não perceberam a necessidade de controlar a pressão entre uma segunda-feira e um sábado. Simplesmente vivem o dia presente.
No entanto, quando se desperta para esse controle infeliz, não se pode voltar atrás. Fica instituído, dolorosamente, um novo tempo. O céu fica cinza mais vezes, é necessário trabalhar, se tem vertigens, a alma tende a ficar cinzenta também.
[Continua...]

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A RECLASSIFICAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS EM CONCURSOS PÚBLICOS

Em comemoração a uma das grandes vitórias que já tive em minha vida, gostaria de compartilhar a introdução de minha monografia, apresentada exatamente há um ano atrás. Em homenagem à família, aos amigos e, principalmente, a Jesus, por toda a ajuda ofertada para que eu pudesse chegar em vitória ao fim da graduação, posto aqui este trecho da minha pesquisa.
Trata-se de tema em Direito Administrativo, de relevância extremamente prática e com embasamento teórico constitucional. A Reclassificação de candidatos aprovados em Concursos Públicos destinados a preencher cargos federais é, pois, o ato de se remanejar ao final da lista de aprovados em um Concurso Público federal o candidato impedido momentaneamente de tomar posse, por ocasião de sua nomeação. Este é um assunto pouco explorado pela doutrina e divergente na jurisprudência, o que atribui ao trabalho de pesquisa um tom de desafio e muita importância.
Àqueles que se interessem pelo tema e quiserem ler íntegra do trabalho, por favor, entrem em contato pelo e-mail anamaria.direito@gmail.com ou deixe sua mensagem abaixo. Será um prazer divulgar o fruto do meu empenho.



A CONSTITUCIONALIDADE DA RECLASSIFICAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS EM CONCURSOS PÚBLICOS DESTINADOS A PREENCHER CARGOS FEDERAIS


A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece no artigo 37, inciso II, que “[...] a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego [...]”. Assim, para a alocação de recursos humanos na estrutura da Administração Pública em todas as suas esferas, se faz necessária a realização de concurso público, no qual, por meio de um processo seletivo de provas ou de provas e títulos, se apuram, em tese, os melhores candidatos para o serviço público.
No caso dos órgãos federais, autarquias e fundações públicas federais, foi criada a Lei n° 8.112 de 11 de dezembro de 1990, que, dentre outras matérias, dispõe do ingresso do candidato aprovado no concurso público na Administração Pública federal. Essa é a legislação, portanto, que regulamenta o assunto tratado na Carta Magna, estabelecendo o que se conhece por Regime Jurídico Único dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
O que se percebe, entretanto, é que, não obstante o esforço do legislador em regulamentar o previsto na Constituição, vários aspectos relacionados ao concurso público não foram tratados na Lei, trazendo, além de desconforto tanto para os gestores públicos, quanto para os próprios candidatos, insegurança jurídica no cenário do direito administrativo pátrio. Isso ocorre pois coexistem múltiplas medidas administrativas passíveis de serem tomadas no serviço público no que diz respeito à classificação, nomeação e investidura de candidatos que não foram conjeturadas na legislação jurídico-administrativa para essas situações.
A prática da reclassificação de nomeados em concursos públicos é uma dessas medidas plausíveis de serem aplicadas no serviço público, diante da omissão legislativa sobre a possibilidade de, obedecidas a ordem de classificação do certame e os procedimentos legais de nomeação, se remanejar para o final da lista de aprovados o candidato impedido momentaneamente de ser investido, para que se dê ao processo seletivo a maior eficiência administrativa.
Justamente por não estar expresso na Lei, o tema é controverso na jurisprudência, pois, enquanto há juristas que sustentam o posicionamento de que a reclassificação é constitucional e pertinente, outros refugam a possibilidade, condenando a prática que, no entanto, já é realizada em órgãos federais.
Assim, a prática da reclassificação vem sendo questionada pelos gestores públicos, por ocasião de nomeações e investiduras de novos servidores; pelo Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional, uma vez que os candidatos, na expectativa da reclassificação, ingressam na Justiça aguardando o pronunciamento sobre o assunto; e, agora, pela sociedade científica jurídica para que, enfim, se encontre uma solução para o deslinde.
O presente trabalho, portanto, visa à pesquisa científica, a fim de que argumentos sejam levantados e a prática da reclassificação de candidatos aprovados em concursos públicos federais seja discutida. Com o suporte científico destes argumentos, espera-se subsidiar os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo para que exerçam e apóiem a prática da reclassificação, e dêem início a um processo legislativo para a criação do instituto respectivo.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Descanso para os olhos - Por Ana Maria Machado



Meus olhos espreguiçam-se lentos
Fechando-se bem devagar
Vagaram cansados longo tempo
Podem, agora, descansar
Desfrutam, então, de paz serena
Que palavra alguma expressa
Pois lutaram para encontrar-te
Buscaram-te sem trégua, com pressa.
Repousam, exaustos de muito correr
Pela face do mundo para ver
Em quem poderiam pousar, enfim
Quem, de fato, gostasse de mim

Ao verem-te, meus olhos se abriram
Em alegres expressões
Já não há lágrimas, antes, risos
Onde outrora desilusões
Meu coração pôs-se a sossegar
Eu encontrei o meu par!
Deleito-me em verdadeiro prazer
Desde que pude te conhecer
Amor, hei de te haver recebido
Não por ter eu merecido
Mas por existir um Deus grande
Em quem minha fé é constante.

(Dedicado a Isaac Marra)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A solidão é deserto.


Ali, naquela madrugada enluarada, Badra revolvia-se inquieta sob o fino lençol de fios egípcios, na pequena esperança de que o sono logo chegasse. No deserto, as noites costumam ser muito frias, mas esta noite, em particular, e somente para Badra, era cálida. A lua cheia brilhava tão intensa no céu, que a luminosidade no quarto dispensava candeeiros. Tanta luz na escuridão do cômodo ofuscava cada vez mais seu sono, despertando a mente. O perfume do incenso, ao contrário de acalmá-la, dissipava-se de uma maneira insistente, incomodando o pensamento, tornando o calor ainda mais perturbador. Já não conseguia permanecer deitada. Resolvera levantar.
Badra sempre dormira muito bem. Não costumava ter problemas para pegar no sono, mas esta noite degringolava desde o início. Durante todo o jantar, discutira consigo mesma, passando dos limites. Não conseguira sequer terminar de comer um pedaço pequeno da baklava que fizera com tanto esmero. Tudo perdera a graça. Já não havia o açúcar do doce, nem o perfume do incenso. Não havia sentido na noite.
Apanhou o primeiro véu que vira à frente e cobriu a cabeça, como se com ele pudesse proteger-se do rasante de uma ave qualquer. Saiu, correndo, descalça mesmo, ainda mais vulnerável às incertas víboras da noite. Não media as conseqüências. Pensava apenas que não conseguia ficar mais nenhum instante dentro de casa. Precisava de ar.
Passando pelo estreito hall de entrada da casa de alvenaria, abriu a porta e deslizou habilmente pelo caminho no meio do cascalho até a pequena elevação de terra que havia em frente à edícula. Avistando dali os pontinhos das luzes tímidas de uma cidade ao longe, observava o abismo escuro entre ela e o mais próximo ser humano, separados pelo extenso deserto.
Era só. Somente Badra e a Lua. Ela decidira mudar-se para longe desde que há muito se decepcionara com alguém. Ninguém sabia o que acontecera a ela. Sabia-se somente que ela o amara muito, o homem cujo nome não se sabe. Certamente, diziam as mulheres da cidade, seu amor houvera sido do tamanho de sua frustração.
Contemplando a cidade ao longe, em pé, sentindo a míngua relva sob os pés, apreciava a brisa acariciando-lhe a face, como um carinho que não recebia há tempos. Resolveu permitir-se o delírio do instante, pois não havia ninguém por quem pudesse se intimidar. Relaxava e enrijecia, como alguém que não sabe o que sentir. Sentia calor, sentia frio, sentia-se sozinha.
De repente, voltou-se à Lua. Cheia e muito luminosa, a Lua sorria, e Badra não entendia o seu sorriso. Contemplava-o e invejava-o à medida que a Lua derramava sobre os seus olhos tristes lágrimas que já não podia conter. Como poderia a Lua sorrir? Badra não podia sorrir; apenas sabia chorar.
Pôs-se a chorar e a pensar, meditar sobre seu estado de espírito. Lembrou-se do significado de seu nome e transportou-se por breves momentos às memórias mais antigas que possuía de sua mãe. Badra significa Lua Cheia. Pelas lembranças que lhe vinham à tona, emocionava-se ao pensar que um dia já sentira orgulho de seu nome; quando pequena, achava-o lindo, porque sua mãe contava histórias belas sobre a lua. Porém, naquele momento, a Lua de Badra era só a solidão.
A melancolia tomara-lhe por inteira. Chorava e soluçava, como uma criança. Abraçava a si mesma, na tentativa de um consolo vão. No seu íntimo, nos curtos lapsos de tempo em que sua mente lhe permitia pensar em algo, que não chorar, considerava a beleza do satélite, e concernia que ele estava só. Mas, mesmo assim, a Lua sorria, e não parava de sorrir. Estaria ela vendo lá de cima algo que Badra não podia ver na escuridão do deserto?
Então, Badra resolveu acalmar-se. Respirou fundo e aos poucos foi serenando os soluços. Enxugou as lágrimas e sentou-se no chão. Com os dedos, começou a brincar com os pingentes do adereço preso ao tornozelo, refletindo, agora sossegada, em toda a sua vida. Por tantos anos privara-se de uma vida feliz, porque tivera uma decepção num relacionamento que lhe sugara as forças para prosseguir. Aquele homem a quem amara lhe retirara as esperanças do amor e, por isso, até aquele momento, achava que estava fadada à solidão.
Segura do rumo que tomava seu pensamento, olhou para a Lua novamente, não com olhos tristes, nem banhados em lágrimas, mas com o brilho da tranquilidade. Sorriu para a Lua, devolvendo o sorriso antes ignorado, e desculpou-se por tê-la incriminado de sua solidão. A Lua, na verdade, não está sozinha. “Ela está com todos, porque todos podem vê-la, e tê-la, e sorrir de volta para ela”, pensou.
Depois de algum tempo, já arrepiada com o frio, quando o sol despontava no horizonte os primeiros raios da alvorada, encerrava consigo mesma o dilema daquela madrugada da sua vida solitária. Chegara à conclusão: não era a Lua a solidão; o deserto era a solidão. Levantou, deu meia volta e entrou em casa, decidida a voltar à vida. Decidira ser feliz. Ia dar nova chance a si mesma. O deserto não a impediria.

sábado, 17 de março de 2012

CHEGOGOLÂNDIA




Havia uma menina, por nome Ana Maria.
Na cozinha da avó, sozinha se entretia.
Pequena, criancinha, delícias descobria,
Não só de comidas gostosas, mas de muitas fantasias.

Entre doces escondidos e guloseimas preparadas,
A garota se envolvia numa brincadeira engraçada.
Eis que a porta da cozinha era porta de correr,
Não abria para frente, mas à parede, a esconder.

Sentada num banquinho, ao lado dessa porta,
A menina imaginava que de Kombi viajava pelos lugares por onde passara.
Cobradora de lotação, de todos chamava a atenção.
Gritava e anunciava o destino a que seguia: Chegogolândia! Chegogolândia!

Mais um tanto avançava na viagem que inventava,
E parava novamente ao passageiro que acenava.
Ia assim, imaginando, que na sua lotação
Era ela a cobradora, com o dinheiro na mão.

E enquanto parava nos pontos, mais pessoas poderiam entrar
Nesse transporte maluco que adorava imaginar.
Abrindo e fechando a porta, não se cansava nunca.
Deslizava-a para trás e gritava às pessoas na rua: Chegogolândia, um real!

E enchendo o automóvel, até completamente lotar,
Contava o dinheiro para só depois o guardar.
Antes, porém, de encerrar, dava o troco e agradecia
A preferência do cliente que satisfeito descia.

Depois de uma tarde inteira, da alegre brincadeira,
Chegou a avó da menina, com um sorriso de orelha a orelha.
É que a menina, brincando e sonhando, os nomes acabou por trocar.
O nome da cidade não era Chegogolândia, e, sim, Cadangolândia.

sexta-feira, 9 de março de 2012

QUISERA - ANA MARIA MACHADO


Mesmo que a voz materna diga que
À adolescência minha’lma retornara,
Que pelo alívio de me ter caído o fardo
De um amor que não dera nada,
Tornei à meninice, como se antes menina não houvera sido
Mesmo tendo dela ouvido que
Da idade na flor eu me encontro,
Quisera eu postergar do meu dia bendito uns anos
Para que perto de tua data eu nascesse
E teu afeto eu pudesse ter, então,
Pois parece haver um abismo
Entre os tenros anos teus e os meus não.

Hei de haver equivocado – meu coração está convicto,
Por ter se enamorado por ti, tão novo amigo
Mas não consegue evitar os devaneios mais doces
Que outrora não se permitia sonhar, antes, dores
Terá de fato meu coração se enganado
Ou seriam os anos os verdadeiros culpados?
Disto não sei, daquilo, também não
Apenas sei, meu amigo, que o sentimento não é vão.
Quisera eu que de mim tu gostasses
Isso – meu Deus – levar-me-ia aos ares
Onde olvidaria a diferença que o tempo nos dá
Onde aproveitaríamos as alegrias de amar.

Quisera eu que tu me olhasses
Como contemplam meus olhos os teus
Ignorando nossas idades, descobrindo a felicidade,
Desfazendo a distância que existe
Entre o teu desejado nascimento e o meu.

(Foto por Timo Cunha)

sábado, 3 de março de 2012

COLISÃO ENTRE DOIS SONHOS




Havia uma mulher. Seu nome não era Maria. Havia também um homem. Seu nome não era José. Eles eram fisicamente desconhecidos, mas, em sonhos, se conheciam. Viam-se sempre em sonhos costumeiros.
Inicialmente, entreolhavam-se, sérios, com certa timidez, sem coragem para uma aproximação. Permaneciam sonhos e sonhos apenas contemplando, de longe, um ao outro, sem que uma palavra fosse dita ou um sinal sequer emitido. O tempo passava devagar nessas horas e o silêncio torturava seus corações, provocando um turbilhão de vontades e dúvidas. Ela desejava conhecê-lo. Queria sua companhia. Ele queria abraça-la. Desejava sua amizade. Mas como ter certeza de que o outro, lá, do outro lado, tão distante, poderia almejar o mesmo? Como saber se isso tudo entre eles iria realmente dar certo?
Seus olhares cruzavam-se tantas vezes, como se por meio deles pudessem entender um ao outro. Em milésimos de segundos dos olhares infinitos, diziam um ao outro o sentimento que havia, faziam planos e contavam histórias. Na verdade, seu olhar era a sua comunicação. Todavia, em meio a tantos pensamentos incertos, qualquer possibilidade de comunicação esvaía abruptamente, restando apenas as dúvidas que cortavam o coração.
Até que, num sonho conturbado, entre um pesadelo e um sonho, esbarraram-se violentamente, a ponto de caírem ambos no chão, um ao lado do outro, meio tontos, por causa da colisão inesperada. Mesmo doloridos devido a tamanho tombo, somente sorriram, porque só  sabiam sorrir. Sorriram, porque finalmente, de fato, encontraram um ao outro.
As dúvidas evaporaram ligeiramente frente à certeza de que seu encontro era realidade, e as incertezas foram esquecidas diante da firmeza de sentimento que um sorriso transmitia ao outro. Suas expectativas e sorrisos eram correspondidos; não havia o que temer. Então, formalizaram o que seus olhos já haviam conversado há muitos olhares antes: fizeram companhia um ao outro e tornaram-se amigos. Beijaram-se e abraçaram-se.
A partir deste choque intenso, não puderam mais sonhar sem a companhia um do outro. Mal perceberam e já eram mais que simples amigos. Passaram a encontrar-se mais vezes, e por mais tempo, desfrutando cada parte do sonho, que antes corria devagar e torturante, e, agora, de tão agradável e prazeroso, voava rápido, parecendo muito pouco.
Nestes encontros, conversavam, brincavam, tomavam sorvete e caminhavam por parques, tiravam fotos e riam de si mesmos. Eles sabiam do sonho um do outro, conheciam os seus segredos mais profundos. Viviam enamorados, mesmo quando não sonhavam, porque tudo lhes era muito real.
A cada sonho, apaixonavam-se mais, porque o amor é inevitável quando tudo parece tão perfeito, tão exatamente preparado para ser. Eram felizes, simplesmente.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

SOBRE A COISIFICAÇÃO.




Há um problema sério de vagas para veículos em Brasília, seja em que parte for. Isso é inquestionável. Nosso projetista, Lúcio Costa, deve se contorcer em seu túmulo, ao perceber o caos que é o estacionamento na Capital Federal hoje. Não creio que tenha sido isso que ele idealizou há um pouco mais de 52 anos. Seja na Esplanada dos Ministérios, nos Setores de Diversões ou nos Comércios Locais o problema é sempre o mesmo: não há vagas.
É fato que o transporte público não ajuda muito. Quem depende dele sonha com o carro próprio e economiza para adquiri-lo; e é bem verdade que as políticas para aquisição de automóveis fizeram crescer consideravelmente o número de veículos nas ruas. As vagas, então, tornaram-se insuficientes.
Assim, o problema persiste, pois o número de carros é imenso e a malha asfáltica, ao contrário, não. Também pudera. Nossa cidade foi planejada para um número inicial de 600.000 mil habitantes e, hoje, ultrapassamos a marca de 900.000 mil motorizados nas ruas de Brasília. Em conseqüência disso, portanto, o número de vagas nos estacionamentos públicos é bastante deficitário.
Mas, deixando dados estatísticos de lado e humanizando mais esta história, quero dizer com tudo isso que a vida é muito mais importante que uma vaga no estacionamento.
Isso não é surpresa para você? Você acha que as pessoas sabem disso?
Bem, elas até sabem, mas, no dia a dia, acabam se esquecendo e tornam-se como os próprios carros: seres insensíveis, que não têm emoções ou sentimentos.
Minha mãe já dizia que quando uma pessoa entra num carro deixa de ser gente e vira o próprio carro. É a Coisificação. A maior prova disso é que quando você se aborrece com alguém no trânsito, se esquece que se trata de uma pessoa ao volante do outro carro – “adversário” ao seu, e passa a enxergar o outro como um veículo apenas. Então, você xinga, arremete o carro contra o dele, ultrapassa perigosamente e sai achando que ganhou numa briga.
Diante disso, podemos dizer que nós, seres humanos, de fato, somos completamente sugestionáveis.
Em se tratando de vagas, o princípio da Coisificação, aplica-se igualmente. Quem nunca passou raiva por esperar horrores até uma vaga aparecer e, na hora de manobrar, um engraçadinho entrar na frente e pegar o lugar? Dá vontade de subir em cima do carro do outro e pular até a lataria ficar toda amassada. Mas geralmente a gente bate boca mesmo, faz sinais com as mãos e, é claro que perde a paz facilmente.
Que vergonha! No auge da busca pela qualidade de vida, das mais altas tecnologias de comunicação, da exaltação do politicamente correto, agimos dessa maneira patética. Somos mesmo sugestionáveis. As situações nos sugestionam e nós caímos como patinhos em suas armadilhas.
A vida, então, perde o seu valor, e uma vaga no estacionamento ganha dimensões gigantescas. Há aqueles que brigam por uma vaga; aqueles que não saem dela, para não correrem o risco de perdê-la; aqueles que param em fila dupla, com preguiça de procurar uma disponível. Em todas essas situações, a vida é jogada à escanteio. Lá se vai embora a qualidade de vida.
Soube uma vez de uma pessoa que deixava de almoçar com a família durante toda a semana, porque era apegada demais a sua vaga; a sua vaga era de estimação. Sei também de pessoas que são capazes de estacionar em fila dupla, mesmo quando há vagas – só que mais distantes, porque estão com preguiça de andar um pouco mais até o seu destino.
Todos esses exemplos apenas demonstram como a vida perde o seu valor diante dessas situações aparentemente tão banais. Passamos a considerar o outro como coisa, coisa menos importante, é claro e, nos esquecemos que somos todos semelhantes e carentes das mesmas necessidades.
É óbvio que existe um problema de tráfego, mas a Coisificação não é o caminho para a sua solução. Seres humanos são sensíveis, conscientes, racionais, capazes de compreender que têm necessidades. Todos precisamos estacionar. Precisamos nos locomover. Precisamos aprender a viver em paz uns com os outros. E precisamos também aprender a viver. Uma vaga, sem dúvida, não é mais que um almoço em família, do que uma caminhada maior, para não atrapalhar a saída de outros motoristas, do que a paz que se tem quando se dá preferência a alguém.
Deixemos de ser tão sugestionáveis, portanto, e passemos a valorizar a vida, pela beleza e importância que ela naturalmente tem. Deixemos de considerar o outro menos importante, a ponto de coisifica-lo, a ponto de visualizar somente o carro e não a pessoa que o dirige.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A CIDADELA - A. J. CRONIN


Eis aqui um livro digno de ser lido, se você quer saber a minha opinião. Gostaria de transcrever aqui um pequeno trecho deste livro, que me despertou um sorriso. Não há como não se encantar com a bela narrativa de Cronin. É mesmo de emocionar!


A reconciliação foi uma coisa maravilhosa, a maior maravilha que aconteceu na vida de Andrew e Christine desde os primeiros dias do seu amor. Na manhã seguinte, que era domingo, ficou deitado junto dela, como naqueles dias de Aberalaw, falando, falando, e, como antigamente, abrindo o coração para a mulher. Pairava lá fora a quietude do domingo. A música dos sinos era como uma sugestão de paz e tranquilidade. Mas Andrew não estava tranquilo.
– Como cheguei a fazer isso? – resmungava, aflito. – Eu estava doido, Chris? Nem posso acreditar no que fiz, quando penso nessas coisas. Eu metido com essa gente, depois de conhecer Denny e Hope! Meu Deus! Mereço um grande castigo!
Ela procurava consolá-lo: – Tudo aconteceu tão de repente, querido!... Era mesmo para uma pessoa perder a cabeça.
– Falando sério, Chris! Sinto que enlouqueço quando penso nessas coisas. E como você deve ter sofrido todo esse tempo! Deus do céu! Deve ter sido um verdadeiro martírio.
Christine sorria; aprendera a sorrir novamente. Como era tocante, maravilhoso  mesmo, ver o rosto dela perder o ar de desânimo e indiferença gelada, para mostrar-se meigo outra vez, feliz, cheio de carinho para ele. “Graças a Deus”, pensava Andrew intimamente, “estamos vivendo de novo”.
De repente, enrugando a testa: – Só nos resta uma coisa a fazer. – Apesar da vibração nervosa, sentia-se forte agora, livre de um nevoeiro de ilusão, pronto para agir. – Temos de sair daqui. Eu afundei demais, Chris, demais! Se ficasse aqui, eu me lembraria a cada momento da turma de charlatães com que me meti... E quem sabe se não voltaria a ser o que fui? Podemos vender a clínica faciolmente. E sabe, Chris? Tenho uma ideia estupenda!
– Tem mesmo, querido?
Alisou-se a ruga nervosa da testa e Andrew sorriu para ela timidamente, carinhosamente.
– Há quanto tempo que você não me chamava de querido! Isso me agrada. Sim, eu sei. A culpa foi minha... Mas não me deixe, Chris, voltar a discutir essas coisas! A minha ideia... Sabe como me veio esse plano? Veio-me à cabeça quando acordei hoje. [...]
Sua única resposta foi olhar para um lado e para outro e, com grande risco de provocar escândalo na rua movomentada, dar-lhe um beijo estalado.

A CIDADELA – A.J. CRONIN 7a Ed. (p. 371 e 377)